Antipático como um gaúcho, não entrei no bar. Fiquei parado na porta, olhando as pessoas lá dentro. As pessoas lá dentro se resumiam a quatro. A gorda tosca atrás do balcão, dois sosias cabeludos do Diego Luna, só que feios, e ela, que sentada num dos banquinhos no balcão, olhava fixamente o copinho já vazio, ao lado do pedaço de limão chupado. Ela não gostava de tequila, só bebia por minha causa. Sabia que eu odiava. Sendo assim, não foi com espanto que percebi que ao me ver parado na porta, ela deixou cair no balcão a máscara de messalina triste, pra ensaiar um sorrisinho parco, como quem diz que tá adorando tudo aquilo. Mas tudo aquilo era um boteco escuro de quatro metros quadrados todo forrado de azulejos brancos encardidos e uma Junkie Box velha num canto que tocava uma Perla paraguaia num volume ensurdecedor, mesmo para um sábado à noite. E ela era uma arquiteta premiada, não podia estar adorando tudo aquilo. Eu sabia que não. E achei graça do seu sorrisinho simulado. Sem demonstrar, só ri por dentro. O Diego Luna que estava mais perto dela inclinou-se pra dizer alguma coisa, como se já o tivesse feito antes, segundos antes de eu chegar. Por cima dos ombros dele ela me olhou com aqueles olhos grandes, que eu sabia que serem de medo. Talvez tenha pensado que eu invadiria o bar e pularia com os dois pés no peito do pobre Diego, que não tinha nada a ver com os nossos problemas. Ele só estava no lugar errado, na hora errada, fazendo a coisa certa. Que eu tinha de admitir, qualquer homem faria. Mas pra surpresa dela, eu não fiz nada. Meti aquela cara que o Dunga faz quando lhe indagam o porque da derrota da seleção e caminhei até a Junkie Box. Correndo os dedos no vidro, fingi escolher uma música, fazendo um esforço pra não vomitar em cima da máquina. O outro Diego, mais perto de mim, girou no banquinho e disse alto: – Põe Justin, gato! – Eu não pude deixar de virar pra olhar na cara dele. Mais por surpresa que por desafio. Fiz um esforço pra não rir, e antes que eu esboçasse qualquer reação, ela subitamente deixou o outro Diego no balcão e veio na minha direção, com aquela cara de mãe prestes a dar um puxão de orelha no filho.
– Não tem Justin aí – ela me confidenciou.
– Como você sabe?
– Eu já procurei.
– Você gosta do Justin?
– Você deveria saber…
– Por que?
– Porque convivo com você a três anos e sei tudo sobre você? – perguntou de volta.
– Eu sou mais fácil de entender.
Ela colocou uma ficha na minha mão e voltou pro balcão. Ela sabia que eu ia odiar isso. E abriu o maior sorriso que podia caber naquele bar, não pra mim, mas pro Diego ao lado dela. Meti a ficha na máquina e apertei com força o primeiro botão que vi. Os primeiros acordes de Piripipi da Gretchen invadiram o bar, estrondando a Junkie Box. Ela olhou de novo sobre os ombros do Diego, mas desta vez sorrindo o sorriso genuíno que eu conhecia bem. E que ela só sorria quando realmente estava feliz ou achava graça, porque era difícil que ela achasse alguma coisa engraçada. O Diego perto dela olhou pra mim pela primeira vez e voltou os olhos pro balcão, parecendo entender o que estava acontecendo. Foi quando eu disse pela primeira vez:
– Eu vim te buscar.
Mas disse baixo e ela não ouviu, porque a Gretchen berrava no bar.
– Eu vim te buscar.
– Quê? – ela fez aquela cara.
– Eu vim te buscar, porra! – gritei no exato instante que a música acabou e ouviu-se um copo quebrando no chão, do outro lado do balcão.
– Merda – disse a gorda.
Foi quando ela levantou do banquinho, disse tchau pro Diego sem olhar pra ele e passou por mim em direção à porta, me estendendo a mão. Foi aí que eu percebi que tinha uma garoa fina caindo lá fora.