Nada de novo no casarão branco do Cosme Velho, naquela metade de tarde quente de fevereiro. Tudo estava lá. As grandes sombras das árvores do Largo do Boticário, a calçada de pedras portuguesas que levava do portão aos fundos, nos pés da escada em caracol de frente para o grande viveiro de canários, todos brancos. A cor preferida da dona da casa. Era quase frio debaixo daquelas sombras, nos fundos da casa, onde a luz do sol quase não entrava. Apenas no jardim da frente, onde ficavam as roseiras brancas, propositadamente nenhuma árvore impedia o sol de iluminar o grande casarão branco. Na exata metade daquela tarde quente de fevereiro, um carro branco e preto, modelo Ford T 1915 parou silenciosamente em frente ao portão principal do casarão.
O motorista tomou o cuidado de não provocar mais ruído que o necessário, a fim de não quebrar a paz aparente daquela casa. Um rapaz muito magro e muito branco, não ultrapassando seus vinte anos, desceu do carro sem tirar os olhos do magnético branco daquela casa assombrosa. Tinha muito medo e no seu rosto totalmente imberbe, apenas um fino bigode de suor foi limpo imediatamente com o fino lenço de sêda que levava na lapela do paletó. Tirava o chapéu quando um minúsculo negrinho vestido todo de branco lhe abriu os portões fazendo uma reverência para conduzí-lo pelo jardim de rosas brancas. À medida que adentrava o calçamento de pedras portuguesas, seu coração diminuía e seu medo crescia violentamente, fazendo suas pernas tremerem. Os grandes olhos brancos do negrinho cravados no chão pareciam lhe perguntar se estava certo de onde pisava. Sim, ele sabia. Há muito ouvia falar daquela mulher. Desde que tomara consciência de si mesmo, ouvia falar na famosa cortesã do Cosme Velho. A cortesã dos tempos de seu pai. E em toda sua curta vida, secretamente, ele ansiava e se perguntava, se um dia, ele também teria a felicidade de ter com ela. Aquela mulher que só não era mais mítica que as fadas que lhe contavam as fábulas da sua infância.
Ela o esperava, acomodada num grande sofá coberto com dezenas de imensas almofadas vermelhas, sob as sombras frias que faziam na parte interna do jardim da casa, logo após o viveiro de canários, que o frágil rapaz não pôde deixar de admirar, antes que seu olhos encontrassem à sua frente, aquela figura, vestida de negro, sobre todas aquelas almofadas vermelhas. Não parecia ser muito mais velha que ele - pensou. Mas era, ele sabia até sua idade. Sabia tudo sobre ela. Estacou a alguns passos antes de aproximar-se. Era ainda muito bonita. E extremamente frágil sua figura. Encantadora. Exatamente como haviam lhe contado. O negrinho anunciou o jovem parado à frente daquela mulher prostrada em suas saudades. Ela esticou o pescoço, institivamente, a fim de localizá-lo. E ele foi invadido por uma gigantesca onda de piedade, aproximando-se mais. Ela não o via. Ela não via mais nada, já a algum tempo. A sífilis a cegara definitivamente. Mas ela estendeu a mão, lentamente, envolta em finas luvas negras. Ele a beijou, totalmente banhado de suor, que não se lembrava mais de secar. Esperara muito tempo por aquele encontro. Desejara, planejara, ensaiara as coisas que ia lhe dizer. As coisas que ia lhe perguntar. Durante muitos anos de sua vida, esperara. Mas tudo era esquecido agora. Era como se nunca tivesse pensado antes. Nunca tivesse vivido antes. Sentia, isso sim, que nascia naquele instante. Ali, de frente a ela. Com sua mão ainda entre seus finos dedos de quase menino. Esquecera-se de tudo que vivera até chegar ali. Era o momento que tanto esperara. E lhe faltou qualquer palavra. Nada que pudesse dizer naquele instante seria capaz de traduzir aquilo que sentia. Era um turbilhão dentro dele, incapaz de ser resumido em palavras. Era inexplicável o que sentia. Ele era, naquele momento, completamente dela, entregue ao magnetismo mórbido daquela belíssima mulher.
As mãos dela, trêmulas, capturaram em concha seu rosto suado enquanto lhe perguntava a cor de seus olhos. Ele diz. – Tal qual os do seu pai. Ela diz, quase sorrindo. Lamentava tão profundamente só agora, sem visão, tê-lo tão perto, que ela podia morrer naquele exato instante. Lamentava tanto ter sido quem foi e agora estar ali, envelhecida, doente, que ela seria capaz de ter trocado tudo e ter sido outra pessoa diferente da mulher que foi, se fosse para tê-lo perto durante os vinte anos que teve de esperar para finalmente encontrá-lo. – Se tudo tivesse sido diferente. Ela pensou e ele pôde ler nos seus olhos sem órbita. Ele segurava ainda sua mão trêmula, enquanto uma lágrima queimava a pele ressecada daquela mulher vencida. – Se tudo tivesse sido diferente, ela pensava. Se ela não tivesse sido a mulher que foi e que só agora, no último momento possível de encontrá-lo, ainda assim, ela não o via. Assim como em toda sua vida. O filho que ela nunca vira.