Não era tão tarde assim, mas também não era tão cedo. Era aquele horário em que, quem iria sair à noite, talvez já houvesse saído. E quem ia pra casa após um dia cansativo de trabalho, já havia a muito, chegado. Não fazia frio, embora não fizesse calor. Mas tinha uma lua razoável. Não que aquela rua fosse exatamente perigosa. Mas estava praticamente deserta àquela hora da noite. Era uma noite sem happy-hours. Sem comemorações. Era uma quarta-feira bastante comum. Entediante, por assim dizer. Era uma rua praticamente deserta. Mas era ali onde ela costumava esperar o ônibus, todos os dias, na volta para casa. Limpou com a bolsa o assento de metal do ponto iluminado por uma publicidade de xampu e sentou-se, abraçando o próprio corpo. Não que fizesse frio. Mas talvez ela quizesse sentir algum aconchego. Nem que fosse dos seus próprios braços. Olhou o relógio de pulso e um temor de que já tivesse perdido a condução daquele horário, a fez pensar no tempo que ainda deveria esperar pela próxima. E não seria pouco, àquela hora. Suspirou. Bocejou. Estava bem cansada pra uma simples quarta-feira. Entediante, por assim dizer. Contabilizou as poucas horas que teria de descanso, até que voltasse para aquela rua, na manhã seguinte, às oito da manhã, se não quisesse chegar atrasada no escritório. Lembrou-se, com certa ironia, que a cinco, dez anos atrás, ela não se cansava com tanta facilidade. E as quartas-ferias entediantes eram só promessas de uma semana cheia de atividades, em que tudo que ansiava era que chegasse logo a sexta-feira, e o fim de semana lhe trouxesse algum alento que a fizesse esquecer a rotina do escritorio. Mas era mais jovem naquela época. Não que fosse velha agora. Mas era mais jovem naquela época. E pouca coisa se cumpriu, das promessas que ela mesma se fazia.
Ele chegou em completo silêncio, e ela só percebeu quando ele já se sentava, dois assentos distantes do seu. Ela não precisou olhar muito. O cheiro forte de álcool, veio até ela. Quase com nojo, ela virou-se pro outro lado, ficando quase de costas para ele, atenta ao início da rua, onde enfim, um ônibus virou a esquina, com seu letreiro iluminado, dando a ela o alívio que tanto esperava. De pé, na beira da calçada, ela esticou o corpo e já ia dar o sinal, quando pôde, enfim, visualizar o letreiro e perceber que aquele, não era o “seu” ônibus. Num suspiro que pareceu longo demais, voltou-se para o banco e pôde, rápidamente, observá-lo. Não era um mendigo, como ela inconscientemente, supunha. Tampouco ele tinha a cara dos bêbados que via, aos montes, pelas ruas, à noite, embora parecesse bêbado. Era visível. Parecia antes, ser um peixe fora d’água, ali, aquela hora, naquele teor alcoólico, com aquelas roupas, dois ou três números maiores que o seu. Era um solitário, ela constatava. Ele vestia-se como um solitário. Ele cheirava como um solitário.
– Não era o seu, né?!
– Não - Ela responde, sentando num banco, ainda mais longe dele.
– Mas era o meu. Mas não tive forças pra levantar – ele finaliza, quase sorrindo.
Alguma coisa, naquele quase sorriso e entonação de voz, fêz com que ela olhasse para ele. Tinha a testa suarenta, embora não fizesse calor. Os olhos injetados de álcool, embora conseguissem olhá-la firmemente. Os cabelos de quem começa uma calvície precoce, embora parecesse jovem. Talvez só parecesse. Sofrido. Gasto. Talvez algum sentimento de piedade, a tenha feito dizer.
– Eu poderia ter feito o sinal, pro senhor.
– Não me importo. Posso esperar o outro.
– Eu me importo. Estou bem cansada.
– Eu também. Mas não me importo...
– É tarde, vou estar de volta daqui a poucas horas. Então, o senhor entende, né.
– Entendo – balançou a cabeça.
– O senhor trabalha por aqui?
– Minha filha. Naquele prédio, ali na esquina.
– Eu também trabalho naquele prédio. Talvez conheça sua filha.
– Andréa. É secretária. Uma firma boa...
– Não conheço nenhuma Andréa. Também sou secretária.
João, o meu filho, vai servir o exército agora, depois vou arranjar alguma coisa pra ele, aqui também. Tenho muitos amigos ali, graças a Deus.
– Ela não me recebeu... Mandou que eu esperasse. Cheguei aqui 5 da tarde. Esperei, esperei... faz muito tempo que não vejo minha filha. Depois, o rapaz da segurança disse que todo mundo do escritório já tinha ido embora. Ela saiu escondida. Deve ter ficado com vergonha, eu entendo. Faz muito tempo que não vejo minha filha.
– Meu filho morou um tempo com o pai. Mas pouco tempo, sabe. Voltou logo pra mim. Os filhos, em geral, preferem as mães, o senhor não acha?
– A mãe dela morreu. É que ela não prefere a mim, mesmo.
– Entendo.
Ele olha pro início da rua. Um ônibus vira a esquina, buzinando pra um mendigo, que atravessa, correndo. Ela se levanta.
– É o meu!
– Que sorte... dá o sinal!
Ela vai até a beira da calçada. Mas, alguma coisa, naquele quase sorriso e entonação de voz, a faz voltar.
– Eu espero o outro.
26.2.09
Heitor, pelo amor de Deus escreve um livro, você é muito bom nestes textos. Valentino já foi excelente, mas esse simplesmente é fascinante.
Pensa no livro. Abraço.
26.2.09
Adorei!
2.3.09
Heitor, eu vi a cena toda. E gosto de fazer a cena toda assim na minha cabeça. Pq não em falou disso antes???
Lindo! Voltarei sempre!
Beijos
4.8.09
Animal!