Fim de noite


Te vi ontem, vestida de preto. Maquiagem vencida, naquela hora da noite em que todas as maquiagens já não servem mais, e entregam, sem dó, aquelas a quem deveriam servir. Ou simular. Aquela hora da noite em que nenhum simulacro existe mais. Entre toda aquela gente, vi você, de preto, cabelos escorridos de suor e uma maquiagem triste. Passou por mim, quase tropeçando, mas me viu. Olhou com os olhos ainda desenhados pelo lápis preto e um perfume ainda doce, mas quase no fim, mas que ainda assim entrou em cheio pelas minhas narinas e eu quis voltar, segurar pelo seu braço enquanto você ainda passava e pensava em parar. Mas você passou. Aí, de longe, te segui. Sentada na calçada, ajeitando a pequena saia preta e as pernas muito brancas, passando as mãos pelos cabelos e olhando. E procurando. E querendo. Mas a maquiagem já vencida, aquela hora, não te dava mais o salvo-conduto de que precisava. E ali, na calçada, você ainda tentava, desesperadamente um sorriso de quem tá curtindo tudo e não tá ligando muito. Mas a maldita maguiagem vencida entregava a alma pobre de um clown, cujos sapatos já gastos, a roupa já rasgada, apenas abraça sua pequena mala de couro velho, tão velho quanto seu coração, já tão cansado de bater. Em vão.

3 Response to "Fim de noite"

  1. Antônio Moura Says:

    Ri enquanto lia. Nossa natureza é risível. É patético como tentamos nos esconder atrás de tantas máscaras... Mas creio que estejamos todos tentando acertar.

  2. Anônimo Says:

    Mais uma para o livro! Esse tem certificado "I'm the best"!

  3. nathanael: Says:

    Muito bacana o post. Tava lá no blog do Otávio e vim aqui!! ABS!