Morta


A carniça ainda fedia muito. Era forte. Presente. Ele abraçava, acarinhava lentamente aqueles cabelos secos. Cabelos de cadáver. Tava morta. Ele sabia. Ela não o via mais. Mas ele não se apartava daquela decomposição. Fedia. De nada adiantavam suas lágrimas caindo sobre a pele seca, aberta em feridas podres. Tava morta. Ele sabia. Sorria as vezes, olhando com carinho aqueles olhos fechados. Sorria. Ela não ouvia mais. Tava morta. Ele sabia. Apertava com mais força a carne gelada entre seus braços. Apertava. Chorava. Sorria. Tinha tanto calor. Ela não sentia mais. Tava morta. Deitou do seu lado. Encolhido. Fetal. Calado. Olhava seu rosto, apaixonado. Não precisava falar. Não a via mais. Ela tava morta. Não tava mais ali. Ele não sabia.

1 Response to "Morta"

  1. Flávia Stefani Says:

    Nossa! Que aperto no peito. Não sei como reagir. Ia até falar qualquer outra coisa mas deixo para um outro post. Em poucas palavras: me senti como ele [o "ele" do post].