Lembro que o filme Terra Estrangeira, de 1995, tem um desfecho que me marcou bastante. Era um final de "resolução" improvável: O casal protagonista, num carro em disparada, em uma estrada deserta, num país estrangeiro ao seu, tendo sido o homem ferido de morte, enquanto a mulher lhe promete que estão indo pra casa, que tudo vai ficar bem. Era o final improvável e a "não resolução" que tanto admiro no cinema. Talvez por aproximar-se mais da realidade. Este olhar quase documental também permeia o novo filme dos diretores Walter Salles e Daniela Thomas, Linha de Passe.
Abordagem muito parecida com Mutum, outro filme nacional que assisti este ano, tão verdadeiro, que chegava a assustar. Realista e profundamente triste, assim como Linha de Passe. São histórias diferentes, embora apresente-nos brasileiros igualmente perdedores e a um passo da degradação. Poderia dizer que são brasileiros que estão por um fio de desistir, mas que ainda assim não se entregam. Muitos críticos afirmam que para se obter uma linguagem documental, são necessários atores não conhecidos, ou até mesmo os chamados não-atores. Faz sentido. Uma vez que aquela figura apresentada na tela nos é estranha, mais facilmente compramos a sua verdade, a sua história. A história de Linha de Passe apresenta apenas uma das milhares de famílias brasileiras que vivem à margem da sociedade. Os excluidos, os massacrados pela luta diária e quase sempre injusta, os invisíveis. A mãe, empregada doméstica que cria os quatro filhos, um de cada pai, sem a presença de nenhum deles, espera pelo quinto rebento, este mesmo já carente da figura paterna. Mas a despeito disso e talvez por isso mesmo, ela consegue conduzir sua família pelo caminho da dignidade, embora esta não pareça ser o suficiente pra que eles todos não sucumbam.
E eles caminham, não desistem nunca. Chegam à beira do precipício, mas uma força maior que eles e tirada sabe-se lá de onde, os impede de cair definitivamente. É a nossa realidade, estampada em cores pálidas, trilha sonora melancólica, do ótimo Gustavo Santaolalla, direção de quem sabe exatamente o que quer e o que fazer do cinema que tem nas mãos e interpretações que de tão perfeitas, soam a nós o tal realismo que citei no início. Claro que se destaca aqui a já tão aclamada Sandra Corveloni, vencedora do prêmio de melhor atriz em Cannes, por sua composição absurdamente simples, natural e por isso mesmo, verdadeira. Diria que ela é responsável pela alma do filme. Uma alma ferida e quase destruída, é verdade. Mas, há o futuro, aberto, ainda a se escrever. Há a não resolução, pois assim como na vida, sempre há o outro dia, e depois outro, depois outro. Como o "final" matador e inesquecível, do personagem Dinho, o filho religioso, que após presenciar um milagre que não se realiza, segue o caminho de volta pra casa, impondo a si mesmo, a ordem que ouvira minutos antes, do Pastor. "Anda! anda! anda!". E nós continuamos a andar.
16.9.08
Ficou bacana a sua crítica, rapaz!
Eu gostei mto do filme também. O fato dele não ter esteriotipado ninguém, o que seria tão, mas tão fácil, me conquistou.
Eu já disse lá no Digestão e acho que vc sabe, a Sandra foi minha professora. Qdo tiver oportunidade, veja-a no teatro. Ela é sempre assim: intensa e precisa em cada cena. E, além de tudo, um ótimo ser humano.
E o final de Terra Estrangeira também me marcou mto, sabia? O "Vapor Barato" da Gal tocando, o carro indo embora, uma imagem inesquecível! Adoro esse filme. Adoro.
BJO
Marcio Claesen