Hoje ao voltar pra casa vou lembrar que não há mais você lá e ficar feliz com isso. Mais do que isso. Vou ser tomado por uma felicidade tão absurda e irreal quanto a que sempre desejei. Será uma espécie de outro voltando pra casa. Um homem diferente do que saiu, pela manhã. Um homem diferente, tanto quanto você sempre desejou. Hoje volto diferente mas você não vai estar lá para ver. O homem diferente de hoje não é necessariamente o que você desejou. Não sei se ele é pior ou melhor. Mas é fato que é outro. E é fato que ele é mais feliz. Hoje ao voltar pra casa, mais aliviado, vou olhar para a janela da sala, ainda na rua, como sempre faço e verei as luzes apagadas. Não há ninguém em casa. Tampouco ela será a mesma sem os seus antigos moradores. Porque hoje é um estranho que vai virar as chaves na porta, acender as luzes, olhar os peixes do aquário, abrir as janelas e deixar o vento entrar. Hoje, um estranho vai sentar na poltrona que fica próxima a janela e não vai ter que esperar a qualquer momento a porta abrir e ouvir seus passos apressados entrando. A sua mão tocando seu ombro e perguntando qualquer coisa que ele não quer mais ouvir. Nem responder. Vai poder acender um cigarro e não ter nenhuma vontade de fumar. Vai poder olhar pela janela, sem recriminações e ver as pessoas passarem na rua. Hoje são tantas. Hoje são as mesmas. Mas são outras.