O sol que refletia no liso cimento queimado do corredor o fez protejer os olhos. O estreito corredor que levava aos fundos do velho quintal, que ele ganhou lento, batendo atrás de si o pequeno portão de madeira. O sol do meio da tarde estalava o cimento queimado, como uma gigantesca lente de contato, fazendo subir um calor quase insuportável. Poderia queimar os pés se pisasse descanço naquele cimento em brasa. Quando era criança, nos dias de chuva, se jogava no liso molhado do corredor e escorregava até os fundos da casa, onde sua mãe não raro o advertia, embora, apesar de não demonstrar, gostasse das suas brincadeiras na chuva. O barulho do portão batendo despertou o velho Amarelo, deitado amarrado à uma sombra de goiabeira, que abanou preguiçoso a calda felpuda ao reconhecê-lo. No seu lugar de sempre, próximo ao pequeno tanque de roupas, onde ele adorava tomar banho, pequenino, nos dias de muito calor. Como aquele em que voltava, depois de tanto tempo. Quanto tempo? Não saberia dizer ao certo. Mas era tempo o suficiente para reconhecer a velhice do fiel Amarelo, agora quase todo branco, língua para fora, abanando a calda com a preguiça de viver que só os velhos têm. E isso não importa se gente ou bicho. Ao lado do tanque de roupas, a porta aberta da cozinha revela o escuro lá de dentro. O ar sem luz que o faz sentir o cheiro frio de comida guardada, encontrando o ar quente dos fundos da casa. Parou em cima do tapete da porta, gasto e já furado e a viu de pé, diante da pequena pia. Acima, numa abertura na parede, a imagem de São Francisco, o protetor das crianças e dos animais. Ela emborcava o último copo enxuto sobre o pano de prato estendido na pia quando parou, de repente. Parecia pequena. Ainda menor do que sempre fora. Mais curvada, mas ainda conservando alguma beleza da mulher que havia sido. Sem susto ela deparou com ele parado à porta. Magro, queimado de sol, a barba por fazer e os olhos pequenos que ela tanto conhecia. Os olhos que pareciam sempre lhe pedir desculpas. Como uma onda impossível de se conter, de espera, de angústia, de saudade, de tantas coisas que nunca foram ditas, tantos momentos nunca realizados, ela abriu os braços para ele, sem sorrir e sem chorar, apenas o velho rosto firme que ainda lhe chamava, ainda lhe esperava. Com a cabeça nos ombros dela, depois de tanto tempo, ele pôde sentir seus dedos mexendo sua orelha, num carinho antigo. Ela dizia alguma coisa mas ele não ouvia. Ele só ouvia o grande poço escuro dentro da sua cabeça. Ouvia apenas o som da moeda que cai no nada sem nunca chegar ao fim. Ele não a ouvia, mas ela o ouvia:
– Não posso mais fugir, mãe. Não tenho mais onde ir. Não tenho mais em quem confiar. Fiz mal a muita gente, mãe. Eu não aprendi nada, eu não aprendi nada, mãe.
Cansado, ele suava de febre e medo. Ela o puxa para dentro da casa. Sentam-se enquanto ele lhe conta tudo, tal como o condenado que anseia livrar-se de todos os crimes. Não havia mais solução. Depois de tantos desatinos, tantos crimes, era realmente muita sorte que ainda estivesse livre. Que ainda estivesse vivo. Acuado e vencido, ele voltava apenas para vê-la, ainda uma vez, antes de desaparecer definitivamente. Era certo que o pegariam. Era certo que o matariam. Voltava porque ali deixara um dia, o que ele chamava de pequena felicidade. A pequena casa onde crescera, onde fora amado e onde, reconhecia agora, tivera a maior felicidade que poderia alcançar na vida, que ele fizera toda errada. Voltava para pedir perdão. Compreenssiva, ela promete acolhê-lo e salvá-lo ainda mais uma vez. Ele sorri da sua ingenuidade. Ela lhe prepara um banho, remédios, alimento. O põe na sua cama de criança e fica ao seu lado, até que ele finalmente adormece, depois de muito chorar e delirar. Se entrega por fim ao cansaço e ao amparo das mãos dela. Respirando aliviada por vê-lo finalmente em paz, ela o observa dormir, como o menino de tanto tempo atrás. O cansaço, junto ao forte chá relaxante que ela o fizera tomar certamente derrubam sua resistência e ele dormiria por horas até que os efeitos passassem. Sem tirar os olhos dele, ela toma o pequeno travesseiro e põe delicadamente sobre seu rosto, deitando-se sobre ele. Há apenas um pequeno e breve movimento de braços, que graças ao seu sono profundo, ela consegue vencer. Fica ainda assim, sobre ele, mesmo depois que todos os movimentos cessam. Por fim o toma nos braços, como quando o fazia dormir e quase sorri. Quase feliz, ela conseguira enfim, salvar o seu menino.