Não que fosse tão tarde. Mas aquele horário em que a maioria das pessoas já chegou em casa. Não que fizesse muito frio. Mas era uma noite silenciosa, com uma lua apenas razoável. E aquela rua não era exatamente perigosa, mas já estava deserta na hora em que ela chegou devagar ao ponto de ônibus e sentou, suspirando fundo. Era uma noite comun. Sem happy-hours, sem comemorações ou jantares especiais. Era uma rua praticamente deserta, onde ela costumava esperar o ônibus, todos os dias, na volta para casa.
Limpou com a bolsa o assento de metal, iluminado por uma publicidade de xampu e abraçou o próprio corpo. Gostava disso, lhe dava um certo aconchego. Constatou no pequeno relógio de pulso que talvez já tivesse perdido o ônibus que passava naquele horário. O que a fez pensar no tempo em que ainda deveria esperar e no pouco que lhe restaria de descanso, uma vez em casa. A dez anos atrás ela não se preocuparia tanto com este tempo. Mas era mais jovem. Não que fosse velha agora. Mas era um tempo em que ela ainda esperava que se cumprissem as promessas que ela mesma se fazia.
Ele chegou em completo silêncio. Só se fazendo notar quando já sentava, dois assentos distantes do dela. Ela não olhou, mas o cheiro forte de cachaça chegou até ela. Virou-se quase de costas para ele, atenta ao início da rua. Foi quando um ônibus dobrou a esquina. Indo até a beira da calçada, ela percebeu não ser aquele o seu ônibus. Voltou ao banco num suspiro longo. Só então ela o viu. Não era um mendigo, como talvez houvesse pensado. Tampouco parecia um bêbado, desses que ela costumava ver pelas calçadas, quando saia tarde do escritório. Mas notadamente, ele estava bêbado. Ele lhe pareceu mais um peixe fora d’água, que não deveria estar ali, naquela hora, naquele estado. Com aquelas roupas dois números maiores que o seu. Um solitário, constatou. Ele vestia-se como um homem solitário. Ele cheirava como homem solitário.
– Não era o seu… Ele ensaiou continuar.
– Não.
– Mas era o meu. Não tive forças pra levantar – ele ensaiou um sorriso.
Alguma coisa naquele quase sorriso e entonação de voz, fêz com que ela efetivamente olhasse para ele. Tinha a testa suarenta, os olhos injetados pelo álcool, mas conseguia olhá-la firmemente. Uma calvície precoce o fazia parecer mais velho do que talvez realmente fosse. Ele parecia antes, sofrido, desgastado. O fato é que alguma coisa, talvez piedade, talvez afinidade, a tenha feito falar.
– Eu poderia ter feito o sinal pro senhor.
– Não me importo.
– Eu sim, estou bem cansada.
– Também estou…
– Já é tarde e daqui a pouco vou estar de volta, neste mesmo lugar.
Ele apenas balançou a cabeça.
– O senhor trabalha por aqui?
– Minha filha. Naquele prédio, ali. – apontou pra esquina.
– É onde trabalho. Talvez até conheça sua filha.
– É secretária. Uma firma boa...
– Também sou secretária. Minha firma não é tão boa, mas tô tentando arranjar alguma coisa pro meu filho mais velho.
– Ela não me recebeu. Mandou que esperasse. Esperei. Faz muito tempo que não vejo minha filha. Depois veio um segurança e disse que todo mundo do escritório já tinha ido embora. Ela deve ter ficado com vergonha. Eu entendo. Faz muito tempo que não vejo minha filha.
– Meu filho morou um tempo com o pai. Mas pouco tempo. Os filhos geralmente preferem as mães. O senhor não acha?
– A mãe dela morreu. O caso é que ela não prefere a mim, mesmo.
Ele olha pro início da rua. Um ônibus vira a esquina, buzinando pra um mendigo que atravessava na sua frente.
– É o meu! – ela diz, animada.
– Que sorte... dá o sinal!
Ela chega até a beira da calçada. Mas alguma coisa, naquele quase sorriso e entonação de voz, a faz voltar.
– Eu espero o outro.