Era o ar gelado ainda, da madrugada que se transforma em dia, num início de manhã que prenunciava sol. Raios laranjas começavam a cair sobre a areia molhada pelas ondas e um vento frio trazia a maresia pra restinga rasteira, próxima a estrada, onde ela parava o carro, encostado-o próximo a uma cerca velha. Tinha um silêncio de morte sendo rompido pelo som das ondas que quebravam na areia alaranjada. Um som contínuo, vivo, bravio. Uma após outra, como um batimento cardíaco. Os batimentos das ondas na areia. Ela pensou na eternidade daquele som. Um coração que batia antes do dela existir e continuaria após o dela cessar. Ficou um tempo lá dentro, com os faróis ainda acesos, olhando aquele cenário alaranjado que ultrapassava a areia e chegava até a beira da estrada. Abriu as janelas do carro e sentiu o ar gelado que vinha da praia, naquela hora da manhã. Acendeu um cigarro e saiu do carro, esquecendo de apagar os faróis. Tinha um Anum pousado na cerca velha, que olhou pra ela enquanto se aproximava da restinga. Tirou as sandálias e sentou na cerca. O vento levantava seus cabelos e também a fumaça do cigarro. Ela olhou o pássaro, intrigada por ele não ter levantado vôo com a sua aproximação. Sentada na velha cerca, olhando aquelas ondas gigantescas estourando na areia, ela podia sentir o poder que vinha daquele mar tão gigante, tão fascinante e tão assustador. O sol, que agora já ia alto sobre a praia, começava a aquecer seu rosto e o pequeno Anum preto finalmente levanta vôo. Ela o segue com os olhos e observa que outro pássaro, aparentemente igual a ele, acabara de passar por eles, lá no alto. O Anum o seguia agora. Só por isso a deixara, ela pensou. Ela acompanha os dois, até finalmente sumirem do seu campo de visão. Se volta então para as ondas, que estouram violentas. Os batimentos das ondas na areia. Um desejo crescente de se juntar a elas. Para isso estava ali. Desce da cerca e caminha devagar entre as folhas rasteiras da restinga sem se preocupar com os pequenos espinhos que furam seus pés descalços. Ela quase não sente a dor. A que sente por dentro, esta sim, é muito maior. De repente, um som abafado, longe, mas familiar. Ela se volta. É o celular que toca dentro do carro. Reflete num segundo. Olha pro mar. Olha pro carro. O toque, de longe, insistente. Ela pensa por um instante. Se volta e continua, em direção as ondas. Não ouve mais o som de quem chama por ela. Não importa mais. Nem mesmo aquela luz, aquele céu, aquele mar, nem mesmo toda aquela vida explodindo nos seus sentidos, parece ser suficiente pra impedí-la de continuar a andar. Seus pés encontram agora a areia já molhada, quando, surgindo do nada, um cão, amarelo, cruza a sua frente, correndo. Late feliz para o dono, que o segue, logo atrás. Assustada, ela o vê aproximando-se devagar. Um homem. Um estranho, que passa por ela. Ele sorri e diz apenas bom dia. Eles passam. Seguem, o cão, latindo feliz, e o seu dono logo atrás. Ele ainda se vira pra ela, e de novo sorri. Ela olha novamente pro mar. As ondas estourando na areia. Olha pro carro, na beira da estrada. Olha pro homem e seu cão, seguindo pela areia já dourada, naquele começo de dia. Ela se volta, enfim e caminha.
10.11.08
Às vezes fico um dias sem aparecer por aqui, mas sempre me surpreendo qdo volto.
Muito lindo esse texto! Tristinho, mas muito lindo.
E com certeza, era eu no celular!
hehehehe
Bjs!
20.11.08
Continue escrevendo com esse brilhantismo, que eu paro de ir à livraria! Parabéns, cara.