Acordou cedo e não olhou pro lado. Fazia calor, mas tinha uma febre que fazia tremer seu corpo inteiro. Olhou por uma brecha na cortina, a rua lá embaixo. Podia sentir a onda de calor que subia do asfalto. Mas tremia de frio. Fez um esforço pra não deixar baterem os dentes. Tinha medo que o menor ruído pudesse acordá-lo. A primeira coisa que fez ao entrar no banheiro foi olhar seu rosto no espelho. Não pode deixar de rir de si mesma quando viu a laranja rôxa na qual seu olho esquerdo havia se transformado. Riu, do quanto era ridícula. E quis chorar, ao ver o quanto ainda era bonita. Apesar da laranja rôxa. Tomou um banho rápido, em silêncio. Enquanto se enxugava, olhava para ele, na cama. Riu novamente do quanto era ridícula. Não conseguia odiá-lo. Por mais que sofresse, não conseguia odiá-lo. Odiava então, a si mesma, de tão ridícula que era. E como ainda era bonita, constatava, apesar de tão ridícula. Não tinha muito que fôsse dela para pegar. Uma pequena bolsa de viagem resolveu tudo. Cabia muito mais dentro dela. Todas as porradas, todas as gozadas, todas as línguas, todas as dores. Tudo isto sim, era muito. E caberia muito mais ainda dentro dela. Não havia limites para o que ainda cabia dentro dela. Era sem fim. Talvez por isso não conseguisse odiá-lo. A culpa era dela, então. A culpa era dela, por ter tanto assim dentro de si. Não olhou mais para a cama. Ainda uma vez o espelho. Não tinha sequer um óculos para esconder a laranja rôxa. Não se importava. Pelo diabo, como ainda era bonita. Abriu a porta da sala e sentiu um calor enorme entrar pelo corredor. Mas tremia de frio. Apertou a bolsa contra o peito e saiu. Ficou um cheiro de café, feito rápido, no pequeno conjugado.
16.6.09
O problema é que ela sempre acaba voltando. Não importa o quanto tenha sofrido, ela sempre se arrepende...
16.6.09
Teu texto contrasta o alívio da redenção e a dor da partida. Abraço.
16.6.09
Laranja roxa dava um título ótimo.
16.6.09
ahh!! acredita que eu pensei nisso?! quase...
17.6.09
Também acho que ela volta...
*Adorei o texto, monsieur!