O lugar é uma confecção deserta, à noite. Dezenas de máquinas de costura enfileiradas. Quase tudo às escuras. Apenas uma luz, vinda de um pequeno escritório, ao fundo, ilumina a figura de mulher que caminha entre as máquinas, em direção ao pequeno escritório, ao som de um instrumento que desconheço, mas que remete a uma sonoridade oriental, não sei ao certo. É uma música tomada de erotismo e suavidade. Ela veste uma espécie de macacão, brilhante, colado ao corpo. Para na porta do escritório e olha fixamente o velho sentado à mesa, no pequeno escritório. Ele enche duas pequenas taças de vinho, ela se aproxima, ele beija sua mão e lhe oferece uma taça. Diz o quanto ela está linda, e ela começa a lhe contar uma história, vivida por ela, numa viagem ao Cairo. À medida que a história evolui, ela se despe, para delirio do velho, completamente hipnotizado por ela. Não criei esta cena, infelizmente. Mas fiquei chapado ao vê-la, o que me pregou os olhos no filme. Hipnotizado, tal qual o velho. O filme em questão é Klute - O Passado Condena (acréscimo em português), de 1971, com direção de Alan J. Pakula.
É claro que já ouvira falar dele, mas nunca tinha assistido. Sabia apenas que nele Jane Fonda vivia uma prostituta, e que ganhara seu primeiro Oscar. Apenas. Do diretor Alan J. Pakula, havia assistido O Dossiê Pelicano e A Escolha de Sofia. Apenas. Mas é neste, Klute, que Pakula imprime a sua grande marca de diretor noir, e um diretor de triller psicológico, mais do que triller de ação. Porém, a principal razão deste post, confesso, nem é a obra do diretor, com todo o respeito ao grande Pakula, e sim a assustadora performance de Jane Fonda. Chega a ser amedrontadora a cena em que ela, sentada à frente da psicologa, explica o processo do seu trabalho. A sedução, a frieza e o poder que uma profissional do sexo tem nas mãos, assim como aos clientes. Na trama ela é Bree Daniels, a tal prostituta de luxo que tenta engrenar uma carreira de atriz, enquanto atende a poucos e selecionados clientes na Nova Yorque dos anos 70. É um personagem riquíssimo e a atriz não despreza a oportunidade que tem nas mãos, dando vazão a um cinismo moral que poucas vezes vi no cinema. Teatral, Bree trata cada programa como uma performance, talvez pelo fato de querer tornar-se atriz. Ou talvez queira tornar-se atriz, porque já aprendeu a representar o suficiente, na sua profissão. Não porque despreze seus clientes, como geralmente ocorre com estas profissionais, mas porque se veja ali, protagonista de toda ação.
Esta falta de pudor, moral e completo desprezo pelo outro, talvez seja o que a leva ao divã do analista, uma vez que não sente nenhum prazer físico, e isso a atormenta. Até que, então, aparece o detetive John Klute, que rompe sua barreira gélida, pois precisa protegê-la de um assassino de prostitutas (e principalmente de si mesma). O detetive será então o responsável pelo rompimento definitivo de Bree com sua vida dupla, e o desestruturador de todas as suas certezas. Clássico noir e excelente drama psicológico, “Klute” me chapou na poltrona. E Jane Fonda é monstro. Lindíssimo monstro.