O que faz de você este Frankenstein que passa os dias apertando os pinos, afagando as marcas e beijando as cicatrizes, os pedaços de tantos outros que formam você. Sim, porque os outros ficam. Seguem junto com você na simbiótica mutação que te torna esta espécie de monstro. Não que a monstruosidade incomode muito. O que dói mais é saber que isso não é problema de quase ninguém, a não ser seu mesmo. Dói mais saber que ninguém alcança os porquês. Nem deveriam. Eles, os outros Frankensteins já estão bem ocupados com os seus próprios enxertos. E isso não é de todo mal. Curiosamente essas partes tão distintas, vivas e próprias não farão de você outra coisa senão único. Embora se esqueça disso com frequência, não deveria. Reconhecer-se único faz, entre outras coisas, com que este monstro sorria de leve, cada vez que se depara com a sua imagem disforme refletida no espelho. Sem no entanto quebrá-lo, o que é muito importante. É mesmo uma questão de auto-estima. Reconhecer-se único dentre todos estes pedaços e ainda assim conservar uma certa paz interior é no mínimo recompensador. O que te dará o esquilíbrio necessário para que reaprenda a andar. Com pernas que agora, não são mais só as suas. Olhar com olhos que não só os seus. Tocar nesta cara que, apesar de sua, se mostra agora tão desconhecida. Embora ainda seja você, ela reflete detalhes, rugas, nuances e histórias que são também de tantos outros. Os Frankensteins que ficaram. Este estranho e diverso novo ser que se transforma em você. Quem é você agora senão a soma de tudo que já viu, sentiu, gozou, chorou, amou. Quem é você agora senão este monstro tão mais completo e por isso mesmo tão maior que aquele embrião imaculado, recém-nascido. Agradeça as suas marcas. Agradeça os seus enxertos. Agradeça os pedaços dos outros Frankensteins que agora formam você. Reconheça agora, ao sair na rua e deparar com os outros, que eles são sim, melhores, porque carregam um pouco de você. Assim como você, um pouco deles.
"Não há gênio que não tenha, de vez em quando, a nostalgia da burrice. Aliás, um dos traços do gênio é o seu nenhum escrúpulo em ser imbecil de vez em quando."
Nelson Rodrigues
Achavas mesmo que podias brincar numas, na boa, driblando as letras, palavras, canções, impunimente? Que otário. Quanto ingenuidade. Ninguém entra neste clube da luta sem tomar porrada, filho. E não diga que ninguém lhe avisou. Embora ninguém tenha lhe dado os tais tapinhas nas costas. Poxa, que costas... Você nada? Vai brincando, vai. Vai pensando que você pode, de repente, sair contando coisas bonitas sem nenhum preço. As coisas bonitas custam caro. E doem pra caralho. Cuzão!
Lançado em 1960, "Psicose" consagrou definitivamente o cineasta inglês Alfred Hitchcock. Agora, quando comemora-se 50 anos da obra mais famosa do genial diretor, um pesquisador norte-americano, Philip Skerry, lança o livro ("Psicose" no Chuveiro - A História da Mais Famosa Cena do Cinema). Uma referência à famosa e inspiradora sequência de 45 segundos, com cortes bruscos de montagem, que pontuam a violência com que Marion (Janet Leigh) é assassinada enquanto toma banho num hotel de beira de estrada. Cena rápida e marcante, que ocupou só ela, seis dias de filmagem de todo o restante da obra. Coisa de gênio.
Ficou acertado que é assim. Primeiro a Vitamina C, depois o resto do vinho branco que tá na geladeira, e só depois o tiro na cara que eu vou dar no espelho, trincado, que a Tok&Stok não quer trocar. A bravura é muita. Aquela de gladiador, que é de gritar, segurar firme pelas patas e cuspir nas feras e vomitar todo o amor que já não cabe mais em si. Se. Mas não. O clima quente e chuvoso e as ruas escorregadias, pedem antes cautela. Que coisa mais difícil, cautela, meu Deus. Quase tão difícil quanto aquela outra top model inatingível, de nome disciplina. Quem inventou essas palavras? Quem inventou o amor, meu senhor? Me explica por favor. Quem inventou essas coisas sublimes que queremos tanto, sem nunca (quase) alcançá-las. Tem a chuva noturna que te acorda molhado, madrugada na cama. Tem os objetivos correndo todos na sua frente. Eles calçam aqueles tênis novos pra correr, que você quer comprar, quilômetros a vencer. No cimento, que é a sua meta. Meta de uma vez por todas uma coisa na sua cabeça: você vai conseguir. Meta outra coisa: você ama um bocado de gente por aí. E você merece, sejam elas merecedoras ou não. O sentimento é sempre seu. Pouco importa se o outro saiba ou não, queira ou não. O sentimento é sempre seu. É individual, solitário, punheteiro de prezinho, A E I O U, a tia lhe ensinou muito bem, lembra do decote que ela usava? Ah, se a sua mão soubesse. Coisa mais antiga essa de querer retribuição. Porra nenhuma, aprendamos. Que graça tem? O sentimento, se genuíno, é seu, existe e ponto. Não importa se é ressonante. O que importa é a existência. A sinceridade. Ficou acertado que agora é assim. Confia no seu ascendente, que graças ao Cosme vidente previu, é bem mais legal que o seu signo primário. É bicho, vai ser uma brasa, mora? Deixa o tempo passar em paz. Deixa a amizade chegar primeiro. Deixa a confiança preparar o terreno pra acontecer o que tiver que acontecer. A gente não manda nada, porra nenhuma. A gente não é nada neste tabuleiro gigante. Peças cegas de um xadrez já carcomido pelos cupins. Relaxa, respira, olha a paisagem sem falar muito, isso é coisa de jovem. Falam, falam, como se quisessem explicar pra si mesmo o que eles só vão entender mais tarde. Fica quietinho, na sua. Ele vai aos poucos encostar a cabeça no seu ombro, fingindo dormir, só pra ter o prazer de ser acordado por você.
Eu não fiz backup do que sentia. Seja forte, pois vem chumbo grosso por aí...
eu sei que só cheguei agora. eu sei que tanto tudo muito já se passou. eu sei que perdi a partida inaugural do trem. não vi o primeiro carvão. o primeiro apito. o primeiro solavanco antes de ganhar as montanhas.
eu sei que há muito tempo você nasceu. nem tanto tempo assim. eu sim. quase perco. quase morro. mas cheguei ainda a tempo. de te ver. de te ouvir. de te sorrir. ainda bem. eu sei que só cheguei agora.
Dedicated:
to the thunders
to the pictures we love
to your deep eyes
to that big distance
to the martyr
to the other side of the street
to the dead sea
to my hands on you
to your voice on my eyes
to your fingers on my lips
to the safe space between us
to the keys of your heart
Mountains of salt.
Te mantenho assim. Você não me vê, mas eu vejo você. Você não me vê, mas pode sentir. Você não me vê, mas eu vejo a fina penugem da sua nuca. Por onde escorre o suor dos seus cabelos que respiro fundo, tão fundo quanto vou. Tomando para mim o mais fundo das suas entranhas. Você não vê, mas pode pedir. Pode implorar. Pode gritar. Mas eu não vou ouvir. E faço meu tudo que era seu e foge agora ao seu controle. Tomo para mim as súplicas que não ouço. As lágrimas que não enxugo. Explorador, invado, tomo posse. De tudo o que não é mais seu, pois me entrega sem reservas essas terras que invadi. De cara na parede você não vê. Você não tem e nem quer mais saída.
Olha aí o cartaz de "Serge Gainsbourg, vie heroique", cinebiografia do cantor que estreia na França em 20 de janeiro. Eric Elmosnino, ator pouco conhecido, faz o papel de Gainsbourg.
dia de Nossa Senhora da Glória. Ouviram-se palmas à porta. Estavam todos reunidos à mesa do café. Dinorah de Assis foi até a janela da sala. Quem seria, a essa hora? "É o doutor Euclides", lançou o rapaz, caminhando depois na direção da porta que abria para o jardim."Assim começa o livro Matar Para Não Morrer, onde a historiadora Mary Del Priore examina o triângulo amoroso entre Euclides da Cunha, Ana de Assis e Dilermando de Assis, mas não fica restrita a ele, analisando também seu pano de fundo histórico.
Em 15 de agosto de 1909, Euclides da Cunha invadiu a casa do bairro carioca da Piedade onde morava o jovem tenente Dilermando de Assis, amante de Dona Saninha, mulher do escritor, disposto a matá-lo. Poucos minutos depois, no entanto, foi o autor de Os Sertões quem perdeu a vida, atingido por três balas do revólver do militar. Este livro relata os meses que antecederam a tragédia e mostra que, ignorando os fatos, a imprensa da época transformou Dilermando em vilão, rótulo que o perseguiu até o fim.
– Devorando...
até mesmo quando a noite é quente e a rinite alérgica não te deixa em paz, depois de uma semana morna de trabalho e você toma vinho quando chega em casa. Não que o vinho vá combater o calor ou a rinite, mas ele vai te facilitar pensar com mais clareza. Fato. Por mais incoerente que isso possa parecer. E você pensa no que tem feito para mudar as coisas que você quer mudar. Mas mudamos mesmo tudo aquilo que queremos? Sim e não. Você não acha que as mudanças acontecem também à nossa revelia? Pode observar. Cada vez acredito mais nisso. E foi interessante a primeira semana no novo ano. A coisa teve tão cara de nova que nem cogitei fazer o que de costume faria. Acho que é um bom começo. Claro que as dúvidas crescem tanto quanto as mais férteis intenções ou projeções, mas devo estar no caminho certo. A primeira semana interessante, onde recebi por aqui, pela primeira vez, opiniões de gente tão distante quanto estranhas para mim. E suas opiniões eram bem positivas. Se faz bem ao ego? Francamente, acho que não tenho isso. Não neste significado que os tais profissionais bem sucedidos ou não, têm. Sei que tenho o projeto do livro de contos. Mais dois contos que se recusam a me deixar terminá-los. O roteiro do curta, que não consigo desencantar e um monte de coisas que pulam mais que milho de pipoca, estourando na minha cabeça quente. E um moleque que admiro por sua competência com as palavras, veio ralhar com o tio: Você não deve ser tão crítico assim com você mesmo. Não? Desculpa cara, sei que a admiração é recíproca, mas acho que funciono assim. Isso me atrapalha mais que ajuda? Pode ser, mas é assim que toco a banda. Marcial, não fanfarra. Cada vez mais escrever fica importante e enlouquecedor na minha vida. Tanto que estou falando isso aqui agora, pra você que me visita. Seja você um leitor antigo ou não. Caramba, tem gente do outro lado do mundo gostando do que eu faço e isso é assustador pra caralho. É assustador, mas é bom demais ao mesmo tempo. E me dá confiança, me dá um tesão de Hércules pronto pra executar os trabalhos que forem. E a coragem também assusta. Porque a coragem pode mudar tudo. A coragem pode fazer de você outra coisa completamente diferente do que você já foi até agora. E isso não é pouco, não. E o gondoleiro segue no seu ofício de levar a sonhar quem o paga. Pagamento? Estamos falando de valores? Piorou. Agora sim engrossa o angú. Se ainda estou no parâmetro do onírico, do talvez, do sonho, imagina se for pensar em dinheiro no meio de toda esta celeuma? Aí enlouqueço de vez. Aí a dúvida que ainda resta sobre o que eu tenho paixão de fazer, mistura-se ao dilema de quem já está a anos luz de distância de mim, como por exemplo,
esta moça, que admiro e me lança isso pela cara
"essa auto-marginalização da atividade do escritor esconde menos um purismo do que uma arrogância inconsciente, como se escrever não pudesse ser posto na mesma prateleira das outras profissões". Aí eu pego meu banquinho e sento de mansinho e escrevo com mais paixão e seriedade ainda. Aonde isso vai me levar? Sei não, senhor. Mas eu tô pagando pra ver.
Foi depois de um Globo Repórter que me dei conta da minha Amazônia imaginária. Aquela. Úmida, abafada, onde andei espantando os mosquitos que zombavam nos meus ouvidos, insetos sem caráter. Invejei você, pois eles não seriam páreo para a sua blindagem de silêncio. Fantasma de TV de madrugada, que nunca se revela por inteiro. Ao contrário, sorri. Como pode sorrir? Depois continuo, cansado, sem ar, a não ser o quente e abafado da gigantesca floresta tropical que plantei em questão de segundos, num solo tão fértil, que seria preciso que mil virgens viessem secá-lo. Como poderia continuar nesta expedição sem o necessário oxigênio do seu hálito? Ou sem ouvir a sua voz de ilhado solitário, que morre de sede, mas não grita, não implora por socorro. Morre seco, faminto, tal como os carrapatos agarrados aos troncos imensos da floresta. Morre feliz, sem que ninguém possa ouví-lo. Como poderia continuar, sendo sua ilha a mais distante que as mais longínquas e imaginárias Amazônias que eu poderia inventar? Deveria, se algum sentido ou juízo tivesse, esperar que passassem os séculos que as transformariam em desertos áridos. Mas não. Sem que pudesse tocar uma nota sequer de um instrumento que não sei, em algum momento, a despeito de qualquer ação ou desejo, meu ou seu, em algum momento estas terras se encontrarão. A minha Amazônia e a sua distante ilha. Em algum meridiano, em alguma latitude de tal profundidade que afogasse o maior dos gigantes. Se ainda assim, estas terras tão distintas e tão longínquas forem capaz de se encontrar, então talvez, só assim, cesse aquele mortal e úmido calor daquela Amazônia, tão imaginária quanto a minha loucura. E seria descoberta por um grupo de turistas japoneses, aquela ilha estéril que você escondia entre as nuvens de um mar alto e manso. E então, e só então, aquelas terras fariam algum sentido. Nem que fosse em apenas um dos solos corações. Ou mesmo dos dois.