Rachando o bico

Now you say you’re lonely e todas essas bobagens que cantam os paulistanos notívagos artísticos. Vou te falar que este papo é muito relativo. Tão relativo quanto esta noite na calçada, depois de tanto tempo sem pôr os pés pra fora. Eu tô só fantasiando, esta noite ainda não aconteceu. Ainda tô em casa, no meu exílio forçado. Gosto de pensar assim, como um Neruda enclausurado, dando um del em quase tudo que brota. Desde idéias até brilhantismos suores. Ah, brilhantismos… de onde você tirou isso agora? Mas as idéias pulu (lam). Das mais ordinárias às mais ordinarias ainda, se é que é possível.

Dizem que é assim mesmo, você compra um livro com muitas páginas, mais de 500, de preferência. Aquela tal bíblia do tal cara fudidão, que te indicaram. Aí você lê e se sente um merda/catedrático/lunático/pseudo/docaralho. Uau, agora sim. Mas o processo segue, claro, diferentemente pra cada um. É uma rinha de galo (e de galinhas), este lugar onde você treina, não percebeu ainda? Sorte sua que são galinhos magros e depenados. Imagina se te jogassem numa daquelas arenas de pit bulls musculosos e bem alimentados com ração de prima? Aí sim você estaria fudido. E mal pago, porque só quem é bem pago neste país são os ETS, NBAs e TRIPLO As da vida, fiquei sabendo estes dias. Eu tenho um amigo que tá na escalada em busca de se tornar um Triplo A, mas ele ainda não comprou aquele triplex na Vila… não vou lembrar agora, mas ele tá tentando. E diz que um Triplo A não pode, além de muitas outras coisas mais, se apaixonar por qualquer pessoa, não. Primeiro me mostra o diploma, depois eu te mostro os peitos, senão nada feito. Tá pensando o quê?

Aí como bom galinho magro e depenado, você se esforça pra tirar algum leite que seja, das pedras que colocaram em seu caminho, nem que pra isso tenha que rachar o bico. Fique bem claro que rachar o bico aqui não tem a conotação que os paulistanos notívagos ou não, têm. Rachar o bico tentanto tirar o leite, compreendeu? Mas não desiste não, o que importa é tentar. Se você não é ator de Hollywood e não precisa trabalhar, deve entender o que estou dizendo. Ah, esqueci os Triplo As. Mas eles também trabalham, pelo menos até se tornarem verdadeiramente um Triplo A… tá, parei. E o Neruda hein? Faz-me rir. Eu não ganho grana com o que escrevo. Eu não tenho prestígio com o que escrevo, e aí me perguntam, pra quê essa merda? Não sei também, tô tentando descobrir. Mas tá bom o negócio, acho até que este processo é mais bacana do que o de me tornar um Triplo… ops. Enfim, o processo tá bacana, acho que é assim mesmo que rola.

Me agrada a idéia do Neruda, por mais distante que esteja. Óbvio, você entende que é uma figura de linguagem, né? Me agrada da idéia do exílio, me agrada a idéia de uma noite em claro numa terça-feira qualquer, me agradam tantas outra idéias. Só me advertiram pra não mergulhar no crack, isso não. Até porque o galinho não ia aguentar mesmo o cachimbinho. Now you say you’re lonely? Bem vindo a clube, cara. Nada como um paulistano notívago (os melhores), pra te ensinar a lutar sem perder muitas penas. E nem rachar muito o bico.

1 Response to "Rachando o bico"

  1. Aline V. Says:

    cara, você é genial...
    seu estilo me lembra de leve o Caio Fernando Abreu que eu descobri faz um tempinho (ainda não li um livro dele, só trechos, mas já me encantei)