Sempre fui fascinado pela obra e história de vida dos artistas mexicanos Frida Kahlo e Diego Rivera. Não apenas pela obra polêmica e agressiva de ambos, mas também pela intensa relação que nutriram durante décadas e a forma igualmente intensa como um influenciou o trabalho do outro, tornando-os artistas únicos em sua época. Impossível passar "impune" por um mural gigantesco como os feitos por Diego, ou pelos dolorosos auto-retratos pintados por Frida. Tendo passado grande parte de sua vida presa a uma cama, Frida suportou ausências e traições por parte de Diego, sofrimento claramente traduzido tanto em seus quadros, como nas cartas que ela lhe escrevia, algumas nem sempre enviadas. A partir deste post, transcrevo uma que, devido ao seu tamanho, dividirei em algumas partes. Apaixonada e visceral, como a vida e a obra de Diego e Frida.


Minha noite é como um grande coração batendo (parte I)


"São três e meia da madrugada.
Minha noite é sem lua. Minha noite tem olhos grandes que olham fixamente uma luz cinzenta filtrar-se pelas janelas. Minha noite chora e o travesseiro fica úmido e frio. Minha noite é longa, muito longa, e parece estender-se a um fim incerto. Minha noite me precipita na ausência sua. Eu o procuro, procuro seu corpo a meu lado, sua respiração, seu cheiro. Minha noite me responde: vazio; minha noite me dá frio e solidão. Procuro um ponto de contato: a sua pele. Onde você está? Onde você está? Viro-me para todos os lados, o travesseiro úmido, meu rosto se gruda nele, meus cabelos molhados contra as minhas têmporas. Não é possível que você não esteja aqui. Minha cabeça vaga errante, meus pensamentos vão, vêm e se esfacelam, meu corpo não pode compreender. Meu corpo, esse azarão mutilado, quer esquecer-se por um momento no seu calor, meu corpo pede algumas horas de serenidade. Minha noite é um coração de estopa. Minha noite sabe que eu gostaria de olhar você, acompanhar com minhas mãos cada curva do seu corpo, reconhecer seu rosto e acariciá-lo. Minha noite me sufoca com a falta de você. Minha noite palpita de amor, amor que eu tento represar, mas que palpita na penumbra, em cada fibra minha. Minha noite quer chamar você, mas não tem voz. Mesmo assim quer chamá-lo e encontrá-lo e se aconchegar a você por um momento e esquecer esse tempo que martiriza. Meu corpo não pode compreender. Ele tem tanta necessidade de você quanto eu, talvez ele e eu, afinal, formemos um só. Meu corpo tem necessidade de você, muitas vezes você quase me curou. Minha noite se esvazia, até não sentir mais a carne, e o sentimento fica mais forte, mais agudo, despido da substância material. Minha noite me incendeia de amor. São quatro e meia da madrugada."

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