À queima roupa


Foram dois tiros pelas costas
Mas não sentiu dor, apenas um susto
quando as balas estilhaçaram o vidro de trás do carro
Não sentiu dor, mas uma ardência que ele pensou
serem os cacos de vidro espetando suas costas
Ele viu os caras se aproximando pela traseira do carro
e viu, de relance, as armas
Foi tudo rápido, um reflexo
Não houve voz, não ouve comando, não deu tempo a eles
Pisou fundo no acelerador
Os pneus cantaram e uma fumaça preta subiu
o cheiro de queimado da borracha
Não pensou em nada, queria fugir dali
Nada à sua frente
Branco
Vermelho
Queimado
Vidro
Foram dois tiros pelas costas
Não houve dor
Uma ardência leve no braço direito que recebeu uma bala de raspão
Uma ardência mais forte perto da nuca que recebeu uma bala em cheio
Ele viu o vidro da frente se quebrando
Ouviu o barulho da clavícula se partindo
Era a bala que saía pelo pescoço
Não houve dor
Ouviu gritos, buzinas, sirenes, branco, vermelho

Como é seu nome?
Não lembrava, não conseguia
Não sentia dor, apenas cansaço, queria fechar os olhos
Dormir
Não conseguia, os olhos abertos o tempo inteiro
Queria enxergar, queria entender, queria lembrar
Deitou-se, era macio, branco, vermelho
Respirou fundo e conseguiu fechar os olhos
Lembrou-se dela
E sentiu uma dor insuportável
Profunda
Suor, roupas rasgadas, vermelho
A dor o fêz gemer
Sentiu uma mão tocando sua testa,
seus cabelos, seu suor
Abriu os olhos e a viu, chorando
Sorriu
A dor aumentou desesperadoramente
Olhou nos olhos dela e finalmente chorou.

2 Response to "À queima roupa"

  1. Éllio Mendes Says:

    onde vc estava que não fez este blog antes? Cara, muito bom!!! abraço.

  2. Heitor Nunes Says:

    tks, Ellio!!