Carminha era moça morena, perfumada, que amava Bento. Tião era homem bruto, empregado de fazenda, que amava Carminha. Bento era rapaz coroinha, que amava a igreja. E Carminha, em segredo. Sofria em silêncio a sua dúvida constante. Pensava na mãe, que morreu desejando um filho padre. Pensava em Carminha e na sua pele morena, que brilhava no sol, quando ela cobria os olhos ao vê-lo passar pela praça. Tião era menino ainda, quando viu Carminha nascer, pela sua mãe, parteira da cidade. Pegara no colo o bebê cor de jambo, que sorriu pra ele. Lhe perfurando o peito com um amor tão grande, quanto infinito. Carminha ajudava a mãe em todas as quermesses. E Tião construía as barraquinhas, caprichando numa, mais que a outra, pra que ela dissesse depois, qual achava mais bonita. A tarefa de Bento era auxiliar padre Afonso em todas as tarefas da igreja e essa era a época que ele mais gostava, pois ficava mais tempo perto de Carminha. O brilho da pele da menina deixavam seus olhos fixos. Queimando seu desejo, que só era menor que o seu amor. Tião morria toda vez que via como eram os olhos pretos de Carminha, quando falava de perto com Bento, sempre perto da igreja e de padre Afonso. Bento sempre ficava perto do padre quando Carminha se aproximava. Tinha medo de si mesmo quando Carminha chegava, nos seus vestidos brancos, voando junto com os cabelos pretos. Tião quis morrer quando viu, no último dia de montagem das barracas, Carminha abraçar Bento, quando ele lhe entregou uma imagem de São Francisco de Assis, o Santo devoto da menina. Era um agradecimento, que Tião viu de longe. Enquanto um fogo de ódio queimou seu peito por dentro, fazendo sua cabeça estalar. Podia esmagar o coroinha com apenas uma mão. Era noite quente, de muito vento. Era a primeira noite da Festa do Divino. A procissão, a missa, as crianças, a música, as senhoras da paróquia. Carminha era a menina mais bonita da festa. Bento não tirava os olhos dela, enquanto, suando, pedia a Deus que ela não se aproximasse dele. Mas ela veio. Chegou de manssinho, segurando o vestido amarelo, pois ventava muito. Sentou do seu lado, quando os outros coroinhas entravam na igreja, acompanhando o padre. Foi a primeira vez que ela pegou a sua mão. Ela sentiu quando ele respondeu, apertando a sua com toda força que ele era capaz. Ele olhou fixo à frente, com o vento batendo na sua cara de menino, quando viu Tião diante dele. Tião deu um passo a trás, retirando a lâmina de seu facão do ventre de Bento. Carminha gritou tão alto que sua voz sumiu entre os fogos e a música da festa tomada de gente. Tião ainda olhou pra ela, chorando, antes de sumir no meio do povo e das bandeiras coloridas no meio da praça. Ela não gritava mais. Jogada no chão sobre Bento, com seu vestido amarelo, agora todo vermelho.
– Foto de Ives Padilha.