Na galeria


Foi só uma debruçada na janela. Dessas corriqueiras, pra olhar nada lá embaixo. Um descuido e zás, despencou seu coração, indo espatifar-se no meio da calçada. Foi muito rápido. Ela ainda tentou num impulso, segurá-lo. Mas só o que fez foi vê-lo saltando no ar, sem que pudesse, antes de pensar numa passada rápida pela galeria do rock, fazer qualquer coisa. Viu-o dando cambalhotas no ar, bonito até, os tons de vermelho mudando tonalidades, refletidos pelo sol das 5 horas. Mas ele caía. E ela não podia fazer mais nada. A não ser lamentar. Mas não profundamente. Perdia, inevitável, inexorável, e todas essas palavras estranhas que usamos pouco durante a vida. Tão inevitável quanto aquelas câimbras que lhe dava nas pernas quando ele metia nela. Era batata. As da perna doíam muito durante as câimbras. Bastava fazer um movimento mais intenso para responder aos dele, velozes mas delicados, que as pernas doíam. Pára, pára. Ela pedia. Ele sempre cedia. Ele cedia sempre. No carro. No cinema. Na cama. Ela não. Não sabia ceder, só sabia pedir que ele parasse. Justo nos momentos de mais prazer. Justo quando ele mais se esforçava para lhe agradar. Mas agora, rapidamente, ela via seu coração saltando pela janela. Pulando no ar. O sol refletindo os tons de vermelho, bonito até. Atrasada para a galeria, ela constatava, ao vê-lo cair enfim, pesado, na calçada lá embaixo. Ela não sabia ceder.

0 Response to "Na galeria"